Impactos reais da inversão do fluxo de potência para geração distribuída

Desmistificando a inversão do fluxo de potência na rede elétrica: quais os impactos reais?

Um assunto muito comentado e discutido no setor de geração distribuída é das reprovações dos orçamentos de conexão, usando como justificativa a inversão do fluxo de potência nas redes de distribuição e transmissão. Mas será que toda inversão de fluxo de potência é prejudicial à rede elétrica?

Nesse artigo iremos abordar os conceitos de fluxo de potência, analisar o que a REN ANEEL nº1000/2021 aborda a respeito e ajudar a esclarecer as dúvidas sobre esse tema.

O que é o fluxo de potência?

O fluxo de potência são os caminhos percorridos pelas potências ativas e reativas em todos os elementos que compõem o sistema elétrico, como linhas de transmissão, rede de distribuição, sistema de proteção e transformadores.

O estudo do fluxo de potência é utilizado na operação e planejamento do sistema elétrico, ele é feito através de softwares específicos e é de fundamental importância, pois ele visa analisar e antecipar o comportamento das variáveis elétricas do sistema definindo o estado operacional da rede.

Como era o comportamento dos sistemas elétricos antes da geração distribuída? 

Para entender o cenário atual do nosso sistema elétrico, é preciso voltar um pouco no tempo e lembrar que antes da regulamentação da geração distribuída pela REN 482/2012, tínhamos um sistema tradicional onde a maior parte da geração de energia elétrica concentrava em grandes usinas hidrelétricas e algumas termelétricas e essas usinas eram localizadas normalmente distantes dos centros de consumo.

Nesse modelo de geração centralizada, o fluxo da potência é da geração para a carga, percorrendo grandes trechos de linhas de transmissão até chegar nas subestações locais.

Imagem 1 – Fluxo de potência tradicional da central geradora para carga

O cenário tradicional começou a ser alterado gradativamente, com a regulamentação da geração distribuída, e também com o incentivo às novas fontes de energias renováveis como a solar e eólica. Elas vieram para complementar a nossa matriz energética, inclusive participando de leilões de novas usinas de geração centralizada. 

Entretanto, diferentemente da geração hídrica, a eólica e a solar são intermitentes, e essa característica já é suficiente para reversão do fluxo de potência  nas linhas de transmissão em diferentes períodos do dia, principalmente no nordeste do país, porém isso não é um problema.

O que tem mudado com o crescimento da energia limpa?

Com a disseminação da geração distribuída nos últimos 10 anos, principalmente com a fonte de energia solar fotovoltaica, tivemos uma mudança significativa no sistema elétrico brasileiro. Milhares de geradores fotovoltaicos foram instalados por toda extensão territorial do país e o consumidor agora pode gerar sua própria energia, trazendo os sistemas de geração para próximo das cargas. Esse novo cenário traz diversos benefícios para o sistema elétrico, como a diminuição de perdas de transmissão e distribuição, melhoria dos níveis de tensão e segurança energética. 

Algumas regiões com índice de radiação elevado, como é no caso do norte de Minas Gerais e interior da Bahia, concentram uma quantidade alta de usinas solares, em que a carga local ou nas proximidades é insuficiente para consumir toda produção dessas usinas. Nesses casos pode-se surgir a reversão do fluxo de potência na rede, como apresentado na Imagem 2 abaixo:

Imagem 2 – Inversão do fluxo de potência em uma sistema elétrico

O que muda no sistema elétrico com a geração distribuída?

Porém essa reversão por si só não é necessariamente um problema, desde que ela não viole os limites de carregamento dos equipamentos da rede elétrica, ou que os níveis de tensão da rede não ultrapassem os limites operativos, o que poderia causar instabilidade no sistema.

Equipamentos como disjuntores e transformadores operam sem problemas com o fluxo nas duas direções, entretanto se a energia injetada em um determinado local ultrapassar a capacidade do transformador que alimenta a região, ele deve ser substituído por outro de maior capacidade.

Quais soluções a REN ANEEL nº1000/2021 traz para a geração distribuída?

Resolução Normativa ANEEL nº1000/ 2021 traz, no artigo 73, soluções que as concessionárias devem buscar quando uma nova conexão ou aumento de injeção implique em inversão de fluxo de potência, como pode ser observado abaixo:

Art. 73. A distribuidora deve, se necessário, realizar estudos para:

I – avaliação do grau de perturbação das instalações do consumidor e demais usuários em seu sistema de distribuição; 

II – avaliação dos impactos sistêmicos da conexão; 

III – adequação do sistema de proteção e integração das instalações do consumidor e demais usuários; e 

IV – coordenação da proteção em sua rede de distribuição e para revisão dos ajustes associados, incluindo o ajuste dos parâmetros dos sistemas de controle de tensão, de frequência e dos sinais estabilizadores.

§ 1° Caso a conexão nova ou o aumento de potência injetada de microgeração ou minigeração distribuída implique inversão do fluxo de potência no posto de transformação da distribuidora ou no disjuntor do alimentador, a distribuidora deve realizar estudos para identificar as opções viáveis que eliminem tal inversão, a exemplo de:

I – reconfiguração dos circuitos e remanejamento da carga;  

II – definição de outro circuito elétrico para conexão da geração distribuída;  

III – conexão em nível de tensão superior ao disposto no inciso I do caput do art. 23;  

IV – redução da potência injetável de forma permanente;  

 V – redução da potência injetável em dias e horários pré-estabelecidos ou de forma dinâmica;

§2º O estudo da distribuidora de que trata o § 1º deve compor o orçamento de conexão e conter, no mínimo:

I – análise e demonstração da inversão do fluxo com a conexão da microgeração ou minigeração distribuída, incluindo a máxima capacidade de conexão e escoamento sem inversão de fluxo;  

II – análise das alternativas dispostas no § 1º e outras avaliadas pela distribuidora, identificando as consideradas viáveis e a de mínimo custo global; e  

III – responsabilidades da distribuidora e do consumidor em cada alternativa. 

Segundo a REN ANEEL n°1000, tecnicamente a inversão do fluxo de potência não deve ser utilizada como critério de reprovação, pois nem sempre a reversão em um determinado local causará impactos, instabilidade, e comprometimento do funcionamento da rede.

O artigo 73 apresenta ferramentas que buscam viabilizar e facilitar as conexões de geração distribuída, trazendo soluções técnicas para as distribuidoras aplicarem. Caso tecnicamente não seja possível a implementação de uma nova usina, a distribuidora deve apresentar um estudo detalhado indicando quais locais do sistema sofrerão violações em seus limites operacionais, agindo com transparência e isonomia com seus clientes.

A geração distribuída é um problema para o sistema elétrico?

Diante de tantos benefícios sociais e técnicos que a geração distribuída vem trazendo para o país nos últimos anos, como a geração de milhares de empregos, alívio nas redes de distribuição de energia, redução de perdas no transporte em longas distâncias, entre outros, é inegável que o  sistema elétrico tem mais a  contribuir do que  diminuir as vantagens de investimento no setor.

Todo crescimento econômico de um país é acompanhado com o aumento da capacidade de produção de energia. A geração distribuída contribui diretamente com a redução da necessidade da instalação de novas usinas de fontes não renováveis, e deve ser tratada como prioridade para a diversificação da matriz energética nacional.

Dessa forma, para que ela continue em crescimento, é necessário que seja realizado investimentos na infra estrutura de nossas redes,  ampliando a capacidade de  transporte da energia gerada, melhoria e construção de novas subestações de tal maneira que a modernização do nosso sistema elétrico não sofra as consequências trazidas pelas novas fontes de geração de energia, mantendo-se estável e confiável.

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